terça-feira, 1 de maio de 2007

" I see fiber as the basic element constructing the organic world on our planet,
as the greatest mystery of our environment.
It´s is from fiber that all living organisms are built - the tissues of plants, and ourselves.
Our nerves, our genetic code, the canals of our veins, our muscles.
We are fibrous structures.
Our heart is surrounded by the coronary plexus,
the plexus of most vital threads.
Handling fiber, we handle mystery.
A dry leaf has a network
reminiscent of a dry mummy.
What can become of fiber guided by the artistic´s hand and by his intuition?
What is a fabric?
We weave it, sew it, we shape it into forms.
When the biology of our body breaks down the skin has to be cut so as to give access to the inside.
Later it has to be sewn, like fabric.
Fabric is our covering and our attire, made with our hands it is a record of our souls."

Magdalena Abakanowicz

Performance Lago Amarelo - Apresentação do programa

Represa do Rio Passaúna, o lugar desta in(ter)venção.
Nele, o corpomente deságua as fronteiras entre o que se convencionou chamar de dança, performance, artes plásticas ou visuais. As delimitações importam menos em Lago Amarelo.
Mônica Infante e Laura Miranda, por meio de sua formação artística e postura investigativa, vem instigando desde sempre as tais fronteiras entre as linguagens. O enfoque no corpo singulariza as questões colocadas nesta cena aberta, contribuindo para uma reflexão sobre a natureza e a epistemologia da arte contemporânea.
Como destaca o filósofo alemão Martin Heidegger, a fronteira não é o lugar onde as coisas cessam, mas o ponto onde algo pode se fazer presente, possibilitando novas articulações. As fronteiras entre as artes não se apresentam como linhas divisórias, mas como lugares de ininterrupta comunicação.
A água em Passaúna move-se quase imperceptivelmente. Construído para funcionar como uma represa, o lago formado encobre vestígios que aos olhos vistos não é permitido revelar-se. Nesta paisagem, já instalada, o corpo-presente é desafiado a não impor-se como sujeito destacado, mas como elemento sistêmico. Nada mais ético e urgente em nossos dias.
No campo da Neurobiologia diz-se de algo que se apresenta permeável à dinâmica do mundo como dotado de plasticidade e adaptabilidade. A cada nova experiência sensorial, redes de neurônios são rearranjadas, outras tantas sinapses são reforçadas e múltiplas possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se possíveis. Talvez resida aí a possibilidade de se pensar este mais recente encontro entre as artistas Laura e Monica, confidentes de longa data dos desdobramentos do corpo em seu ambiente.
É no momento em que a performance se instala (ou que a instalação toma corpo, literalmente) que o pensamento artístico de ambas potencializa-se. E escorre numa sofisticada proposição, inserindo-nos numa escuta aguçada e num campo de conhecimento específico.
A intervenção paisagística no lago, ao revés da urbana, instala uma outra temporalidade, seja pelos gestos lentos e fluídos de Monica, fruto de sua consistente investigação na arte marcial japonesa Aikidô e na conscientização corporal proposta pelo australiano Mathias Alexander, aliada a sua formação em dança, seja pela própria imanência do meio. O trabalho sobre o centramento do corpo e a percepção sem ação imediata leva a uma espécie de minimalismo acional. O nível de sutileza com que Monica se relaciona com o ambiente e constrói sua presença deixa a ver a “dramaticidade” intrínseca aos elementos ali presentes, sem valer-se das tradicionais estruturas representativas intencionais. Monica, generosamente, não impõe sua presença na paisagem, mas se oferece como matéria vibrátil, como sugere Suely Rolnik. Restabelecer os fluxos para proporcionar outra escuta aos processos subjetivos.
Deixando-se imprimir pelo entorno, Lago Amarelo pontua sutilmente uma narrativa, potencializando as linhas de força do lugar. Monica e Laura nos convidam a suspender a interpretação e dilatar o prisma da sensação, quando o ato perceptivo pouco categoriza ou ficciona. Na aparente não ação, há um mundo de movimentação, em estado de plena atenção e concentração, que abre frestas para estados outros de percepção.
A postura meditativa de Mônica é condição para a escuta e a sinestesia. O corpo se revela aos poucos por entre o ato humano tecido, que une fios dispersos e os ata em tramas mais estáveis. A fibra, elemento construtor do mundo orgânico, como sugere Magdalena Abakanowicz (“somos estruturas fibrosas”) é peça chave em Lago Amarelo. Inicialmente cerzida a vegetação do lugar, Monica percorre o espaçotempo a escuta dos eventos naturais. É a percepção deste acordo entre corpo e meio em tempo real que faz emergir a poética de Monica e Laura. Pontuando sensações e estados, o corpo tece e é tecido em sutil trama, envolvendo-nos numa atmosfera singular. O jogo sutil entre o controle do artista sobre sua criação e a intervenção do meio permeia todo o ato. O corpo se desvencilha da tessitura previamente urdida e se move para outro lugar que não o seu. Destino inexorável das espécies em evolução. Há que se estar sem pressa para a fruição deste instante.

Sandra Meyer
Florianópolis, 15 de outubro de 2006.
(Escrito após presenciar o ensaio de 8 de outubro de 2006)

Performance Lago Amarelo, de Mônica Infante e Laura Miranda


Foto: W. H. Sagae